Um Tiro na Bruma

Os factos históricos entrelaçam-se com o clima de investigação policial neste primeiro romance de Manuel Cardoso, editado pela Sopa de Letras, recebido com agrado pelos apreciadores do género.
O autor exerce a profissão de médico veterinário em Macedo de Cavaleiros. Esta é uma das semelhanças que encontramos entre a sua vida e a de Amadeu, personagem central, e real, desta envolvente e interessante trama. Trata-se de uma personagem real pois Amadeu era avô do autor, cuja vida foi por este investigada e reconstruída. Manuel Cardoso apresenta a sua obra como um livro de mortos, pois o mundo em que os acontecimentos se deram já desapareceu, cabendo ao leitor transportar-se até à região de Trás-os-Montes do início do século XX e seguir a sequência dos acontecimentos.

Manuel Cardoso consegue entrecortar a narrativa com a história do país de forma harmoniosa, sendo de grande valor e pertinência as referências à Implantação da República, à Grande Guerra de 1914-1918, à pandemia de Gripe Pneumónica e até ao Reino da Monarquia do Norte. Neste período, agitado pelos mais variados acontecimentos e conflitos político-sociais, Amadeu sente todas as dificuldades para o exercício da sua profissão e as personagens criadas em seu redor permitem-nos conhecer, em rigor, a sociedade portuguesa da época, com especial relevo para as gentes da zona transmontana. A construção da Linha do Tua foi um marco importante neste processo e tal não poderia ser olvidado pelo autor. Ainda relativamente à região focada e numa escrita já de si cuidada, o autor prima também por fazer uso de regionalismos como escarqueijar e esvarar, devidamente explicados nas notas explicativas iniciais.